terça-feira, 12 de março de 2019

Maconha, o veneno verde



            Dividida em cinco atos, Maconha, o veneno verde conta a história de Osvaldo, vítima de um golpe que o condenou ao vício. O texto é atribuído a Iracy Viana.      Osvaldo é casado com Lucia, eles têm dois filhos – Zezinho e Olguinha. O homem trabalha em uma grande empresa e uma missão, atribuída por seu chefe, desencadeia o seu drama. Rocha, chefe de Osvaldo, pede-lhe que leve, em mãos, uma grande quantia em dinheiro à matriz em São Paulo. Osvaldo agradece o convite e argumenta que sequer conhece a capital paulista, mas o chefe reitera a sua confiança no funcionário, determinando que, a contragosto, Osvaldo aceite a incumbência. O embarque é agendado para o dia seguinte. As luzes apagam-se e, ao microfone, um narrador informa que se passou uma noite. Pela manhã, Rocha acompanha Osvaldo até o aeroporto.

            O segundo ato inicia-se em uma sala de hotel em São Paulo, Iracema prepara-se para um golpe que terá como vítima “um tipo bonachão do interior”. Osvaldo hospeda-se no hotel. Iracema cumprimenta-o, oferece-lhe cigarro, cerca-o. O homem, ingenuamente, conta-lhe a sua missão e ela aconselha-o a deixar o dinheiro guardado com a dona do hotel, que possui um cofre para tais necessidades, conferindo-lhe recibo como comprovante do depósito. O montante é entregue para a hoteleira e Osvaldo tem um recibo em mãos. Iracema convida-o para irem a uma boate, oferece-lhe um cigarro, Osvaldo fuma-o por educação, mas reclama do gosto, que se assemelha a fel. Passam-se duas horas, conforme anuncia o narrador. Osvaldo aparece confuso, Iracema leva-o para o quarto, embebeda-o. Aproxima-se o momento do golpe. Ela retira uma pequena quantia em dinheiro da carteira de Osvaldo, entrega-lhe um novo cigarro e espera que ele durma. Depois, retorna ao quarto com a pasta de dinheiro e afirma: “Adeus, otário...” O locutor anuncia: “No dia seguinte, pela manhã”. Bêbado e dominado pela droga, Osvaldo acorda, tenta recuperar-se, não encontra o recibo. Desesperado, indaga a hoteleira e ela avisa que a sua “esposa” teria retirado a pasta. Diante do quadro que vê, a mulher deduz que ele fora vítima de uma quadrilha que opera com entorpecentes. A mulher ainda entrega-lhe um jornal em que se pode ler: “Maconha... o veneno verde, a erva do diabo!...”

            O terceiro ato inicia-se em um botequim sórdido. Em cena, estão Maria, Boca Dura e Pente Fino. Os dois homens bebem e conversam, enquanto aguardam “a erva”, que lhes será trazida pelo “velho”. Em seguida, aparece Barbadinho (Osvaldo) que entrega dois cigarros para Boca Dura. Barbadinho toma um copo de cachaça e mostra a foto dos filhos para Maria, que o aconselha a voltar para a família, mas ele teme a vergonha. Neste meio tempo, Pente Fino decide que vai aos jornais contar que um velho maconheiro é o pai do Promotor Público da cidade. Osvaldo implora-lhe o silêncio, mas Pente Fino insiste e é morto por Osvaldo. Boca Dura lamenta: “E tudo por causa desta erva do diabo, desde maldito veneno verde!”

            O quarto ato inicia-se na mesma sala do primeiro, mas há novos móveis. No dia do noivado de Olga e Paulo, José – o Zezinho -, o sisudo Promotor Público da cidade - recebe os autos de um processo e conta que acusará um desconhecido que matou um homem por difamar o nome do Promotor. Zezinho argumenta que tentará condenar o indivíduo viciado, na esperança que, na cadeia, ele abandone o vício. Há um mistério sobre o nome do homem que todos conhecem como Barbadinho.

            No quinto ato, a cena desenvolve-se no tribunal do júri. O Promotor Público declara que, apesar dos fatos, julga-se na obrigação de pedir a condenação do réu, “um infame maconheiro, que talvez já tenha destruído centenas de famílias com essa maldita erva do Diabo”. Relembra, em continuidade, que um infeliz perdeu a vida e que, portanto, a justiça deve ser feita e arremata: “Mesmo que ele fosse meu próprio pai, eu vos suplicaria justiça”. Após a manifestação da defesa, o juiz indica aos jurados a pergunta que deve ser respondida: “O réu é ou não culpado?” e suspende a audiência. Barbadinho é declarado inocente e deve ser posto em liberdade. Zezinho aproxima-se e ordena-lhe que abandone a cidade: “ (...) não quero mais vê-lo aqui. O senhor me causa nojo!”

            Quando todos saem, Rocha aproxima-se e chama Barbadinho: “_ Osvaldo”, Rocha abraça-o e diz nunca ter duvidado da honestidade de Osvaldo, ainda que isso tenha custado o seu próprio emprego. Osvaldo sente-se mal e é socorrido. Rocha afasta-se, Zezinho aproxima-se. Osvaldo pede-lhe desculpas por ainda estar na cidade, mas é interrompido pelo rapaz explicando que, em sua profissão, precisa ser duro, insensível, mesmo contra vontade. Afirma que Barbadinho deveria fazer um tratamento e complementa: “ (...) mas agora que está livre, poderá voltar talvez para os braços de seus familiares... deve ter uma família, não? Filhos...” Osvaldo garante-lhe que gostaria de voltar para a sua família, mas não pode. Zezinho descobre que está diante do pai, pede-lhe perdão. Lucia, Olga, Paulo chegam. Osvaldo agradece a Deus que lhe proporciona felicidade na hora de sua morte.



A peça Maconha, o veneno verde é um dos textos melodramáticos analisados no estudo que resultou no livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe.

domingo, 3 de março de 2019

O carrasco da escravidão



            A peça O carrasco da escravidão, composta em três atos, sem autoria conhecida, recebe também o título de A verdade de um escravo, tendo, como personagens principais, o Comendador Gouveia, declaradamente o vilão; Anastácio, Guiomar e Pai João, o escravo. A chegada do Comendador e da filha, Guiomar, desestabiliza a precária ordem em que vivia a casa de Anastácio, cuja mãe encontrava-se à beira da morte. O carrasco da escravidão traz, de um lado, a confiança inabalável do jovem fidalgo, Anastácio, em relação aos seus escravos, especialmente, Pai João, encarregado de cuidar do seu boi de estimação, o boi Pintadinho. Anastácio trata-os com respeito e dignidade. De outro lado, o Comendador Gouveia, que provocara a ruína do pai do fidalgo, despreza todo e qualquer escravo, considerando-os não confiáveis, passíveis de humilhações recorrentes. Os dois homens encontram-se na casa de Anastácio porque a sua mãe, madrinha de Guiomar, a filha do Comendador, está doente. A velha senhora deseja ver a sua afilhada, obrigando Anastácio a receber Gouveia em sua residência.

            Anastácio argumenta que “existem pessoas que não mentem, nem que seja preciso para salvar a própria vida”, sendo ironizado pelo Comendador. Anastácio conta que, na fazenda, há um preto velho que nunca mentiu, trata-se de Pai João que, naquele momento, entra na sala, sendo hostilizado pelo Comendador. Anastácio e Pai João traçam uma rápida conversa, o negro é dispensado e o Comendador passa a urdir uma trama para apossar-se das terras de Anastácio, provando-lhe que os negros mentem. Gouveia propõe uma aposta, mas Anastácio exige a presença de um tabelião que lavre os seus termos, afinal, o Comendador admitira que, por vezes, costumava mentir. Diante do tabelião, Gouveia dita a escritura, datada de 30 de janeiro de 1839. Todos assinam o documento, ajustando-se que a aposta terá a duração de um ano e que Pai João ficará afastado de Anastácio, residindo, a partir de então, na fazenda velha. Gouveia comunica a filha sobre a aposta e informa-lhe que ela será parte de uma cilada que fará Pai João mentir: a moça deve propor casamento ao escravo com a condição que, como prova de amor, o negro mate o boi Pintadinho.

            No segundo ato, Guiomar cumpre as determinações paternas e, após algumas tentativas, consegue que Pai João sacrifique o boi. Enquanto o homem afasta-se para cumprir o pedido, ela roga perdão a Deus pelo pai sempre insatisfeito e bruto, além de reclamar a falta da mãe, que faleceu quando ainda era criança. Passada uma hora, Pai João entra com um pedaço da carne do boi e propõe assá-la, mas Guiomar convence-o a deixar para o dia seguinte. Em pouco tempo, o negro percebe que caíra em uma cilada e começa a preparar-se para contar a Anastácio sobre a morte do animal, fazendo conjecturas sobre como dizer-lhe a verdade, mas, ao final, se convence que deverá mentir.

O terceiro ato inicia-se na casa da fazenda e, em seguida, tem-se a chegada de Guiomar que traz a carne e entrega-a ao pai. O Comendador informa que partirá imediatamente, afiançando que a aposta está ganha. Gouveia antegoza a derrota de Anastácio, entrega-lhe a carne, garantindo-lhe que se trata da carne do boi Pintadinho, o que fará o negro mentir. Anastácio é atacado por Gouveia, que usa um punhal, no entanto, o rapaz reage e imobiliza o adversário. Gouveia pede desculpas. Anastácio determina que Tomé traga-lhe Pai João. Tomé regressa rapidamente porque encontrara Pai João na porteira da fazenda, o negro entra, cumprimenta o Comendador e Anastácio, que lhe pergunta sobre a fazenda, a criação e o boi. Pai João constrangido passa a contar a história e as artimanhas que a envolveram:

Óia, sinhô, nego tava na fazenda, e então apareceu a tentação branca, e falo que queria comê (...). Ela disse que casava cum zeu...dava a liberdade pra zeu (...). Nhonhô pode matá nego veio, mas o nego mato o seu boi Pintadinho, nego não sabe menti sinhô, nego nunca mentiu...

            O Comendador enfurece, Anastácio louva o homem que se pusera de joelhos a sua frente, enaltece a sua honradez e dedicação, promete-lhe a carta de alforria, extensiva aos demais escravos, e presenteia-lhe com a fazenda velha: “E quando alguém lhe perguntar como conseguiu a fazenda, diga que ganhou com a verdade de um escravo”. Anastácio informa ao Comendador que ele terá casa e comida, mas Gouveia não aceita o favor, garante que o título de Comendador permitirá o seu sustento e que não tem mais obrigações com a filha.

Guiomar ouve o pai, que ainda imputa-lhe a culpa pela miséria e eis que surge um novo componente na história da moça, até então inesperado. Anastácio conta-lhe que Gouveia não é o seu pai legítimo, o qual fora morto a mando do Comendador para casar-se com a mãe da jovem. Guiomar indaga sobre a mãe e sabe que ela morreu após o novo casamento, sem causa conhecida. A jovem quer saber por que foi mantida na companhia de Gouveia e Anastácio explica que o homem era temido, ainda que todos receassem que ela fosse objeto de prazer do Comendador da mesma forma como ele agia com as escravas mais jovens, violentadas e abandonadas.

            Gouveia prepara-se para apunhalar Anastácio, mas é detido por Pai João que, novamente, salva o jovem. Guiomar, a partir daí, será acolhida na casa de Anastácio, como afilhada da mãe do fazendeiro e o Comendador será preso para cumprir a pena que lhe for imputada como carrasco da escravidão, “esquecendo-se do dever da humanidade e das palavras do pai eterno que manda: Amai-vos uns aos outros”.