A
peça O carrasco da escravidão,
composta em três atos, sem autoria conhecida, recebe também o título de A verdade de um escravo, tendo, como
personagens principais, o Comendador Gouveia, declaradamente o vilão;
Anastácio, Guiomar e Pai João, o escravo. A chegada do Comendador e da filha,
Guiomar, desestabiliza a precária ordem em que vivia a casa de Anastácio, cuja
mãe encontrava-se à beira da morte. O
carrasco da escravidão traz, de um lado, a confiança inabalável do jovem
fidalgo, Anastácio, em relação aos seus escravos, especialmente, Pai João,
encarregado de cuidar do seu boi de estimação, o boi Pintadinho. Anastácio
trata-os com respeito e dignidade. De outro lado, o Comendador Gouveia, que
provocara a ruína do pai do fidalgo, despreza todo e qualquer escravo,
considerando-os não confiáveis, passíveis de humilhações recorrentes. Os dois
homens encontram-se na casa de Anastácio porque a sua mãe, madrinha de Guiomar,
a filha do Comendador, está doente. A velha senhora deseja ver a sua afilhada,
obrigando Anastácio a receber Gouveia em sua residência.
Anastácio
argumenta que “existem pessoas que não mentem, nem que seja preciso para salvar
a própria vida”, sendo ironizado pelo Comendador. Anastácio conta que, na
fazenda, há um preto velho que nunca mentiu, trata-se de Pai João que, naquele
momento, entra na sala, sendo hostilizado pelo Comendador. Anastácio e Pai João
traçam uma rápida conversa, o negro é dispensado e o Comendador passa a urdir
uma trama para apossar-se das terras de Anastácio, provando-lhe que os negros
mentem. Gouveia propõe uma aposta, mas Anastácio exige a presença de um
tabelião que lavre os seus termos, afinal, o Comendador admitira que, por
vezes, costumava mentir. Diante do tabelião, Gouveia dita a escritura, datada
de 30 de janeiro de 1839. Todos assinam o documento, ajustando-se que a aposta
terá a duração de um ano e que Pai João ficará afastado de Anastácio,
residindo, a partir de então, na fazenda velha. Gouveia comunica a filha sobre
a aposta e informa-lhe que ela será parte de uma cilada que fará Pai João
mentir: a moça deve propor casamento ao escravo com a condição que, como prova
de amor, o negro mate o boi Pintadinho.
No
segundo ato, Guiomar cumpre as determinações paternas e, após algumas
tentativas, consegue que Pai João sacrifique o boi. Enquanto o homem afasta-se
para cumprir o pedido, ela roga perdão a Deus pelo pai sempre insatisfeito e
bruto, além de reclamar a falta da mãe, que faleceu quando ainda era criança. Passada
uma hora, Pai João entra com um pedaço da carne do boi e propõe assá-la, mas
Guiomar convence-o a deixar para o dia seguinte. Em pouco tempo, o negro
percebe que caíra em uma cilada e começa a preparar-se para contar a Anastácio
sobre a morte do animal, fazendo conjecturas sobre como dizer-lhe a verdade,
mas, ao final, se convence que deverá mentir.

Óia, sinhô, nego
tava na fazenda, e então apareceu a tentação branca, e falo que queria comê
(...). Ela disse que casava cum zeu...dava a liberdade pra zeu (...). Nhonhô
pode matá nego veio, mas o nego mato o seu boi Pintadinho, nego não sabe menti
sinhô, nego nunca mentiu...
O
Comendador enfurece, Anastácio louva o homem que se pusera de joelhos a sua
frente, enaltece a sua honradez e dedicação, promete-lhe a carta de alforria,
extensiva aos demais escravos, e presenteia-lhe com a fazenda velha: “E quando
alguém lhe perguntar como conseguiu a fazenda, diga que ganhou com a verdade de
um escravo”. Anastácio informa ao Comendador que ele terá casa e comida, mas
Gouveia não aceita o favor, garante que o título de Comendador permitirá o seu
sustento e que não tem mais obrigações com a filha.
Guiomar ouve o pai, que
ainda imputa-lhe a culpa pela miséria e eis que surge um novo componente na
história da moça, até então inesperado. Anastácio conta-lhe que Gouveia não é o
seu pai legítimo, o qual fora morto a mando do Comendador para casar-se com a
mãe da jovem. Guiomar indaga sobre a mãe e sabe que ela morreu após o novo
casamento, sem causa conhecida. A jovem quer saber por que foi mantida na
companhia de Gouveia e Anastácio explica que o homem era temido, ainda que
todos receassem que ela fosse objeto de prazer do Comendador da mesma forma
como ele agia com as escravas mais jovens, violentadas e abandonadas.
Gouveia
prepara-se para apunhalar Anastácio, mas é detido por Pai João que, novamente,
salva o jovem. Guiomar, a partir daí, será acolhida na casa de Anastácio, como
afilhada da mãe do fazendeiro e o Comendador será preso para cumprir a pena que
lhe for imputada como carrasco da escravidão, “esquecendo-se do dever da
humanidade e das palavras do pai eterno que manda: Amai-vos uns aos outros”.
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