quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Um resumo de tudo: o Serelepe


Nas primeiras décadas do século XX, Francisco Silvério de Almeida realizava palestras cômicas para os trabalhadores das lavouras de café no interior paulista. Certa vez, sentindo-se adoentado, ele determinou ao filho, José Epaminondas, que avisasse aos organizadores para cancelarem a apresentação. Mas, José Epaminondas decidiu fazer o espetáculo no lugar do pai e foi um sucesso. Nascia Nhô Bastião.

Orientados pelo pai, Nhô Bastião e sua irmã Isolina, a Nh'ana, formaram uma dupla caipira que passou a apresentar-se, primeiro, nas lavouras cafeeiras e, depois, no Circo Oriente. Nh'ana seguiu seu rumo, adquirindo o seu próprio teatro e Nhô Bastião adquiriu uma politeama (teatro de zinco). Ele partia, então, de Ponta Grossa/PR, onde tinha uma chácara, para excursões pelo interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em 1962, Nhô Bastião faleceu e o palco passou, em definitivo, para o seu filho, José Maria de Almeida, o popular palhaço Serelepe. José Maria havia se casado em 1959 com Lea Benvenuto, o casal teve 6 filhos: Ben-hur, Maria José, Isabel, Marcelo e Ulisses. A Marcelo coube seguir a veia cômica da família e ele adotou o nome Serelepe.

Em "Entre risos e lágrimas: as representações do melodrama no teatro mambembe", entrelaçando às histórias do teatro e do circo, eu conto um pouco da história do Teatro Serelepe e analiso melodramas (peças de chorar) apresentadas nos anos 60 e 70.

domingo, 1 de dezembro de 2019

Nhô Bastião, pai e avô de Serelepes


Em conformidade com José Maria de Almeida, o velho palhaço Serelepe (já falecido), forjado nas matinês dominicais pelo pai, Nhô Bastião, na verdade, os shows cômicos individuais, em sua família, eram, inicialmente, protagonizados por Francisco Silvério de Almeida que, em determinada ocasião, adoeceu e determinou ao filho, José Epaminondas, que comunicasse aos organizadores a sua impossibilidade, cancelando, pois, o espetáculo. No entanto, José Epaminondas, a exemplo do pai, que se apresentava sem a caracterização típica de palhaço (ambos adotaram o gênero caipira, em voga na região naquela época), decidiu que, com a experiência adquirida ao observar o pai, não cancelaria a sessão prevista e apresentou-se como comediante. O seu trabalho agradou a todos, mas havia o temor que não satisfizesse o pai... Diante da euforia dos amigos, dos conhecidos que haviam visto o desempenho de José Epaminondas, Francisco Silvério decidiu conceder um espaço, em suas apresentações, para o mais novo comediante da família. Nascia, assim, Nhô Bastião.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A história do Teatro Serelepe

Em 1929, surgiu a dupla caipira Nhô Bastião (José Epaminondas de Almeida) e Nh’ana (Isolina, sua irmã), que se apresentava no interior paulista entre lavouras de café, levando o riso aos trabalhadores e que, via de regra, encerrava os seus espetáculos com bailes no mais puro estilo local – as caipiradas. Mesmo mais tarde, quando o grupo comprou o Circo Oriente e, depois, a Politeama Oriente, o seu público continuou entre as populações das pequenas cidades, muitas vezes, às margens de grandes fazendas, propiciando o espetáculo para o espectador das pequenas cidades e para aqueles egressos do trabalho no campo.


Do circo, o grupo passou a apresentar-se no pavilhão Mococa e, mais tarde, em outro pavilhão de zinco, pré-montado, que recebeu o nome de Politeama Oriente. Nessa ocasião, a trupe já excursionava pelo interior paulista e paranaense, mais tarde, incluindo os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com o surgimento dos pavilhões, encerrou-se a apresentação de variedades que caracterizava a primeira parte do espetáculo, predominando, desde então, a encenação das peças sérias ou cômicas, conforme a equipe do teatro organizasse o seu cartel de textos e mesmo em função do sucesso alcançado em cada praça.


Anos mais tarde, em Ponta Grossa (PR), a família Benvenuto juntar-se-ia aos artistas da Politeama Oriente. O encontro entre estas duas famílias resultou na união matrimonial entre os filhos José Maria de Almeida e Léa Benvenuto de Almeida que casaram em Pelotas/RS no ano de 1959, desta união surgiram seis filhos. Em 1972 na cidade de Faxinal do Soturno/RS, José Ricardo de Almeida e Ana Benvenuto de Almeida.


Em 1962, com a morte de Nhô Bastião, o palco passou a José Maria, o palhaço Serelepe. Entre 1962 e 1981, o Teatro Serelepe percorreu inúmeras cidades dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, apresentando um repertório que variava entre dramas, comédias, alta comédia, farsas, peças infantis. Estas peças, de um modo geral, fazem parte do cartel de apresentação da maioria das companhias itinerantes ainda em atuação, contudo, muitas já não guardam mais a ideia original.


Em um tempo em que, na maioria das cidades interioranas sequer havia cinema e, mesmo naquelas que dispusessem de uma sala cinematográfica, os filmes com som e imagem de baixa qualidade, ainda chegavam com grande atraso se comparados às grandes cidades do país; além disso, a televisão, até meados dos anos 1970, era um bem acessível para poucas famílias, apresentando sinal para repetição, frequentemente, fraco, com imagens distorcidas, de tal sorte que restavam poucas opções de entretenimento: festas e bailes religiosos, passeios em volta ao coreto da praça ou, nas comunas em que houvesse a passagem do trem, um passeio à gare da estação para ver o “trem de passageiros” aos domingos. Eventualmente, algum circo ou parque passava pelas referidas cidades, mas sem grande sucesso, de modo que a chegada do teatro sempre constituía uma importante novidade que animava todas as classes sociais. Asssim, o Teatro Serelepe granjeou sucesso nos locais por onde passou.
           

sábado, 11 de maio de 2019

Os dois sargentos


A peça original pertence a Théodore d’Aubigny, com tradução de Lourival França Pereira. A ação situa-se em 1941[1], em uma barreira sanitária que deveria impedir a propagação da febre amarela, na região do porto de Vandré, onde havia um presídio militar, e da Ilha de Rosez. Dividida em três atos, a história dos dois sargentos – Roberto e Guilherme - começa no Conselho de Guerra, acusados de dar passagem a uma mulher miserável e seus filhos famintos sem exigir-lhe o passe que liberava o seu trânsito, pondo em risco a saúde da população. Ainda integram a peça: Laura, sobrinha do carcereiro Valentin; o próprio carcereiro; o Incógnito (cuja identidade somente será revelada no final da peça); Gustavo, amigo de Guilherme; Valmor, inimigo de Roberto; a mulher e o filho de Guilherme.


Após o término do Conselho, os dois sargentos são recolhidos ao cárcere, sob a responsabilidade de Valentin. Roberto e Guilherme discutem o seu ato humanitário. Incógnito acompanha a conversa, elogia-os, mas ambos temem a pena capital. Enquanto isso, no castelo, todos esperam pelo Marechal Conde d’Alta Vila. – chefe das tropas. Os dois jovens, encarcerados, aguardam a decisão dos membros do Conselho. Guilherme crê no fuzilamento, mas Incógnito afirma que intercederá junto ao Marechal. O ajudante Valmor aparece e comunica a sentença – pena de morte para um dos réus a ser executada no dia seguinte, pela manhã, na esplanada do castelo. A sorte decidirá o condenado. Jogam-se os dados, Guilherme soma 11 pontos, Roberto atinge 12.  Condenado, Guilherme conta a Roberto que o seu nome é Luiz Derville, capitão, acusado de roubo. Pede-lhe que, livre, visite a sua família em Rosez e entregue um anel e alguns documentos. Quando o ajudante chega com o processo, Roberto propõe um acordo. Valmor libera Guilherme para visitar a sua família, prometendo voltar antes da execução. Caso Guilherme não retorne, Roberto será morto, bastando que o ajudante troque os nomes que a sorte escolhera. Guilherme é liberado e segue com Gustavo para a Ilha, porém, o ajudante tece uma trama, contando com a ajuda de Gustavo, para que Guilherme não regresse.

O segundo ato abre-se em uma casa humilde, na Ilha, onde vive a família de Guilherme. Sophia reconhece-o, abraça-o, o mesmo não acontece com o filho que, apesar disso, declara o seu amor. Guilherme conta as dificuldades enfrentadas, a mulher recorda o roubo e a destituição do outrora capitão Dervile. Enquanto conversam, Gustavo traz uma carta para Sophia, um documento que informa a inocência do marido e a reconstituição de todas as honras militares. Apesar disso, o homem mantém um tom de despedida, o que provoca a inquietação de Sophia. Ele, como num delírio, relembra os seus feitos militares. Diante da preocupação da mulher, Guilherme informa-lhe que está de partida para uma batalha e que teme o retorno. Gustavo, porém, conta-lhe o que houve e a mulher tenta impedir a partida do marido. Gustavo acalma-a, pois, segundo ele, ordens superiores impediam o regresso de Guilherme para cumprir a pena. O militar desespera-se ao saber que Gustavo e Valmor fizeram um acordo para matar Roberto. Em nome de sua honra, Guilherme desembainha a espada, quer matar Gustavo, não admite a covardia. Sai correndo!

No terceiro ato, retorna-se ao castelo, Roberto e Valentin conversam sobre o noivado e o posterior casamento do jovem sargento com Laura. Ambos acreditam cegamente no retorno de Guilherme e especulam sobre o homem que aparecera, no dia anterior, fazendo questionamento sobre os dois sargentos. Valentin avisa Roberto que todos sabem, no grupamento, que ele está condenado à morte, conforme disseminara o ajudante. Valmor aparece para preparar o ato executório, ameaça Valentin, confirma que o sargento Guilherme não voltará e que Roberto será morto. Valmor garante-lhe que já havia tomado todas as providências. 

Incógnito reaparece e dialoga com Valentin sobre o resultado do julgamento. Ambos partilham a mesma preocupação com as ações do ajudante, Valentin conta o acerto para a partida de Guilherme e a trama preparada por Valmor, acrescendo que Roberto desconhece os fatos. O Incógnito determina que Valentin busque Roberto e ambos travam uma conversa sobre honra, confiança, traição. O Incógnito afasta-se para observar as ações do ajudante que chega e surpreende a todos: informa que o barco regressou, mas não trouxe Guilherme e Gustavo, mas que ele – ajudante – precavido, solicitara o cumprimento da pena em 24 horas depois do momento aprazado, não sendo, porém, atendido em seu pedido. Roberto exclama: “Basta de hipocrisia, miserável, pode arrancar a máscara que na há de cobrir a consciência tão desprezível e abjeta. Através do disfarce, vê-se sem custo, a vileza desta alma torpe e indigna”. O ajudante acusa Valentin, garante que ele teria contado tudo para Roberto. O carcereiro confirma, afiança que assume as suas responsabilidades, que se tratava de um cabo reformado e que não desonraria o exército. Valmor ameaça-o, mas Valentin não retrocede.

A chegada da escolta, que deve conduzir o prisioneiro, põe frente à frente o Incógnito e o ajudante que se dirige rispidamente para o homem, mas ele reage, ordena que a execução seja suspensa e afirma que o ajudante será punido exemplarmente, ainda que o ajudante relute em entregar a sua espada diante do Marechal Conde D’Alta Vila. O Marechal declara que Valmor enfrentará o Conselho de Guerra para que seja punido por sua vileza. Neste momento, chega André, responsável pela embarcação, com uma carta enviada por Gustavo. O Marechal lê a carta que confirma o plano traçado pelo ajudante e traz um agravante, pois Gustavo declara: “conserve a sua palavra de subtrair o generoso Roberto ao castigo que deve sofrer pela falta de seu amigo”. O Marechal ordena a André que busque Gustavo e Guilherme na ilha. Laura entra e grita que um homem a nado foi salvo pelos marinheiros, trata-se de Guilherme que chegava para salvar a vida de Roberto.



[1] Ainda que o texto disponível mencione o ano de 1941, o texto original data de 1823 e não cita a sequência durante a Segunda Guerra Mundial. Houve, portanto, uma livre adaptação do ensaiador do Teatro Serelepe.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

O seu último Natal


            Em um tribunal, estão presentes um juiz; um promotor; um escrivão; Norberto, o advogado de defesa; Carolina, a mãe do acusado; Julio, o acusado; e os jurados. Assim, inicia-se O seu último Natal, cujo título original é Os transviados, peça, em três atos, atribuída a Amaral Gurgel.

            O promotor detém a palavra e acusa, alega que o assassino matou pelo prazer de matar, recorda e destaca as qualidades da vítima, João Carroceiro; lembrando que, no primeiro julgamento, Julio já havia sido condenado e não fora defendido pelo irmão. O promotor ainda rememora que Julio já havia sido condenado por roubo e que a sua mãe estivera, de casa em casa, implorar, junto aos jurados, clemência para o filho. Por fim, o promotor enfatiza que Julio teria um atenuante, o pai alcoólatra, mas que isso não seria motivo suficiente para limitar-lhe a pena.


            Na sequência, Norberto, emocionado, começa a defesa do irmão, conta dificuldades financeiras enfrentadas pela família. Dirigindo-se ao promotor, Norberto afirma-lhe que recordar o pai feriu o réu, o advogado, a mãe, uma família inteira, tendo ressuscitado uma sombra que lhe servirá como defesa. Norberto historia os sofrimentos familiares, o vício do pai, o tratamento brutal dedicado à mulher e aos filhos. Lembra que a mãe vivia como uma escrava, obediente ao seu senhor que, uma tarde, foi trazido morto: “Felizmente morrera!” Para minimizar a miséria que se seguiu, Julio começou a trabalhar. Norberto tornou-se advogado. A irmã de ambos, com o amparo de Julio, cursara o magistério e tornara-se professora. O irmão mais novo, Antonio, seguira para o seminário e, em breve, tornar-se-ia padre. Quando todos haviam encontrado o seu caminho, Julio teria sucumbido ao vício do pai. O advogado de defesa e irmão do réu passa a discorrer sobre a vida de Julio. Um roubo, um processo, a absolvição. O promotor interrompe-o e alerta que é um absurdo pedir clemência para um assassino. Mas Norberto avisa-lhe que não pede piedade para o assassino, implora perdão para um infeliz que morrerá vítima de um aneurisma na aorta.

            O segundo ato inicia-se em uma sala modesta com sofá ao centro e uma escada lateral, a casa de Carolina, mãe de Julio e Norberto. Lidia, a filha, chega e reclama que o cão da família, Sultão, vive sujando a casa, sugerindo que o animal seja sacrificado. A mãe, contrariada, afirma que não o fará, afinal, o cachorro pertence a Julio. Indagada por Norberto, Lidia reclama da vila, das pessoas, da escola em que trabalha e conta que, ao casar-se, pretende abandonar o magistério. Lidia mostra-se fria, incomodada com a situação de Julio. Norberto, na ausência da mãe, destila todo o seu desprezo pelas atitudes da irmã.

            O terceiro ato passa-se no mesmo espaço, estão em cena Carolina, Lidia e Antonio que elogia o presépio preparado pela mãe. Lidia, mais uma vez, mostra-se incomodada com Julio, que se diz encabulado, inclusive, com o tipo de alimento a ser servido e que teme não saber comportar-se à mesa, mas, convencido que a sua presença é importante, parece animar-se. Enquanto Julio afasta-se para barbear-se, chega Paulo, o médico, noivo de Lidia. Norberto explica-lhe que Julio vive na casa da mãe, embora tenha estado cinco anos preso; Antonio, por sua vez, completa que o irmão está condenado à morte em razão de um aneurisma. Norberto libera o médico de sua palavra, quanto ao casamento, se, por ventura, a verdade a respeito de Julio possa constranger-lhe. O médico lamenta que a noiva não tenha contado nada sobre o assunto, mas garante que a história não muda a sua decisão.

            Paulo e Lidia ficam a sós, ele confere-lhe um presente e reclama a sua falta de confiança para contar-lhe a história de Julio. Ela alega vergonha e, na sequência, chora, traz à tona todos os ressentimentos de infância e, ao encerrar as suas lembranças, julga-se outra pessoa, percebe que tem sido má para os seus, que humilha Julio quando, na verdade, ama-o. Julio chama pela mãe, quer saber se os convidados já chegaram e, em seguida, grita, diz que sente dor. Norberto e Antonio colocam-no em um sofá, Paulo examina-o e sugere que o levem a um hospital. Lidia dirige-se ao irmão e pede-lhe perdão. Julio pede pela mãe, quer a sua mão, tem medo. Antonio aproxima-se e Julio pede perdão, a primeira missa do irmão não será a missa festiva de Natal, mas uma missa de corpo presente.... Pede que a mãe segure a sua mão... Morre. Lidia grita, Carolina questiona o médico e Antonio afirma: “O teu filho nasce para Deus”.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Honrarás nossa mãe


           
            Honrarás nossa mãe é uma peça em cinco atos – sem autoria definida - que conta a história da família de dona Mariquinhas e seus filhos Edgar, Rosa e Roberto. A velha senhora e seu filho Roberto moram na casa de Edgar e Alzira. Edgar reclama o ócio que marca a vida de Roberto, a mãe pede paciência, acrescentando que Roberto é mais jovem. Mãe e filho discutem, Edgar retira-se do ambiente. Mariquinhas aconselha Roberto a trabalhar no exterior, dá-lhe um cordão de ouro para que compre a passagem. O filho, após relutar, obedece-a. Alzira sugere, mais tarde, que a sogra arrume emprego como copeira ou cozinheira, Nair, irmã de Alzira, tenta defendê-la e recebe a mesma sugestão.

            A família recebe a visita do senhor Barbosa, que ciente da viagem de Roberto, considera que o rapaz tomou uma boa atitude. Roberto retorna, informa que partirá em duas horas e que, portanto, deve abreviar a organização da bagagem. Mariquinhas prepara os pertences do filho, enquanto ele, na sala, diz a Barbosa que jamais será feliz longe da mãe. Antes de partir, Roberto intima o irmão a cuidar bem da sua mãe e avisa que enviará, mensalmente, uma pensão. Roberto, ao retirar-se, lembra a Edgar: “Nossa mãe, honrarás”.

            No segundo ato, os acontecimentos desenvolvem-se na casa de Raul e Rosa, filha de Mariquinhas, a qual, expulsa da residência de Edgar, busca abrigo na residência do genro. Raul mostra-se afetivo, mas Rosa e sua filha, Alice, demonstram extrema irritação com a presença da mulher. A rejeição da filha e da neta é ostensiva em todos os momentos. Contudo, os fatos tendem a um novo rumo. A empregada Julia, penalizada com a situação de dona Mariquinhas, expulsa pela filha, delata o adultério de Rosa. O marido rejeita-a e afirma para a filha que Rosa, a partir de então, estaria morta. A cena retorna para a casa de Edgar, em que Gomes, credor de Edgar, e Nair conversam, ele reitera o pedido de casamento e, novamente, ouve um não, visto que Nair repete amar Roberto. Gomes pede-lhe que chame Edgar. Gomes intimida-o e afiança-lhe que as promissórias devidas serão cobradas judicialmente. Gomes dá um prazo de 24 horas para a resposta afirmativa de Nair. Edgar e Alzira conjecturam sobre as formas de convencer Nair e Alzira decide conversar com ela, Nair segue em sua negativa, mas o retorno de Mariquinhas e seus conselhos parecem demover a moça.

            Barbosa reaparece e firma-se como credor de Raul e Edgar sendo que, no último caso, Barbosa avisa Edgar que a hipoteca da casa já venceu e que se ele não for educado, no mínimo, perderá a casa. Na sala, Nair prepara-se para fugir, mas antes deixará uma carta para a família. Alzira ouve a conversa, acusa Mariquinhas de ter instigado a jovem e Edgar, novamente, pede que a mãe deixe a sua casa. Edgar leva a mãe para um asilo, enquanto isso Nair foge para desespero de Alzira.

            O quarto ato marca o regresso de Roberto que é posto a par dos acontecimentos por . Barbosa O homem avisa-o que Edgar vive bêbado, caído pelas calçadas, enquanto Alzira apresenta um ferimento repugnante na perna.  Na sequência, Raul chega à casa de Barbosa e encontra Roberto, que o rejeita, mas Barbosa intervém. Neste momento, entra Zeca Gomes, amigo de Roberto, e que fora enviado para testar a sua família, inclusive, propondo-se a casar com Nair, em um plano urdido por Roberto para confirmar o caráter do irmão. Edgar também aparece e é agredido pelo irmão que o obriga a levá-lo ao asilo.

            Na sala do asilo, encontra-se Mariquinhas que varre o chão. Um enfermeiro aparece e apressa-lhe o trabalho, chamando-a preguiçosa. Entram Roberto, Edgar e Gomes, que encontram Nair, Roberto abraça-a e pergunta pela mãe, Nair afirma que a velha não reconhecerá o filho porque enlouqueceu. Mariquinhas, acompanhada por Nair, aparece, senta-se, mas o enfermeiro diz que é inútil conversar com ela, garante que a velha não reconhece ninguém. Mariquinhas, então, balbucia: “Roberto... Roberto...” Recorrendo a Gomes, Roberto entrega o cordão de ouro para a mãe, que não entende o que se passa. Mas, depois, Mariquinhas abraça o filho e reconhece Nair. Pergunta por Edgar, Rosa, Raul, pela sua neta e Roberto promete-lhe que, em seguida, irão vê-los.      Dona Mariquinhas pede que Roberto perdoe a todos. Roberto declara: “Olha, Edgar... contemple este quadro. De um lado, a noiva querida. Do outro, a mãe idolatrada. Que esta lição te sirva de exemplo. E não esqueça nunca do quarto mandamento da Lei de Deus que diz: Honrar pai e mãe”.

A peça Honrarás nossa mãe, que compôs o cartel de dramas e melodramas encenados pelo Teatro Serelepe nos anos 60 e 70 , é um dos textos analisados no livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Sublime perdão


            Sublime perdão é uma peça, em três atos, atribuída a Amaral Gurgel. Aparecem, em cena, Teodoro, um homem amargo, marcado pela morte violenta do filho Roberto, que lhe deixara a nora, Maria Alice, e a neta, Rosinha. Luiz é o filho de Teodoro que abraçou a carreira eclesiástica e que leva Rosinha à missa no presídio, onde a jovem conhece Alberto Pereira, assassino de seu pai, que, segundo a jovem, estampava o arrependimento no rosto. A peça conta o amargor que pauta a vida de Teodoro, cujo filho fora assassinado por Alberto – louco de ciúme, o homem agredia a mulher e Roberto, atendendo ao pedido de socorro dela, tentou acudi-la, mas foi baleado, o segundo tiro acertou a mulher de Alberto.

            Luiz, o padre, tenta aproximar o assassino, que já cumprira 14 anos de prisão, encontrando-se vítima de tuberculose, e sua família, despertando a ira do pai. Luiz chora o ódio que o pai carrega em seu coração. Na verdade, o padre afronta o pai e convida Alberto para a ceia natalina – esta novidade causa grande alvoroço para Rosinha que alega nunca ter tido um Natal, posto que, naquele dia, o avô tranca-se em um quarto e a mãe chora durante todo o dia. Diante da situação, Luiz conta para a jovem a sequência dos fatos e a morte do seu pai na manhã de Natal. Luiz fala: “E antes de morrer, seu pai perdoava o homem que o matara. Foi a dor de perder o meu único irmão, que me levou ao seminário... foi pelo gesto de perdão de seu pai, Rosinha, que eu me fiz padre”! Ouvindo isso, Teodoro declara: “E é por isso, que eu nunca poderei perdoar esse miserável, ele roubou-me dois filhos!”

            Teodoro volta-se, novamente, para a neta, afirmando-lhe que Deus concedia-lhe uma oportunidade para que a família vingasse a morte de Roberto. Rosinha discorda do avô, que decide mostrar-lhe o quarto em que Roberto morreu. Teodoro acende a luz, mostra-lhe a cama, a mancha de sangue no assoalho e uma arma descarregada. Trata-se da arma usada para matar Roberto e Teodoro reitera que, ali, jurara matar o criminoso que lhe tirara o filho. Nesse meio tempo, chega Alberto, que lamenta não ter uma casa para regressar; mas, Luiz afirma que Alberto permanecerá em sua casa, terá oportunidade de pedir perdão à família de Roberto. Alberto, agradecido, promete enfrentar a família e expressar-lhe o seu remorso– ele chega a cogitar a possibilidade de ter matado dois inocentes, demonstrando que não detinha certeza sobre a infidelidade da mulher. Alberto ajoelha-se diante de Maria Alice, Teodoro não permite que o homem aproxime-se e aponta-lhe uma arma, os demais gritam, mas Teodoro permanece decidido, mantendo o revólver apontado para Alberto, Luiz tenta interceder, mas é interrompido por Alberto:

Senhor Teodoro, veja, estou livre na sua frente. Pode matar-me. Mas de nada valerá isso, nem vingança há de ser... pois eu não sinto, eu não posso sentir a morte. Será tão somente uma maneira anticristã de aliviar os meus sofrimentos.

            Alberto coloca-se diante de Teodoro: “Senhor Teodoro... se a minha morte serve para pagar o mal que fiz, aqui tem a minha vida... É sua!” Teodoro atira, mas Rosinha põe-se à frente e é ferida. Luiz toma-a nos braços e encaminha-se para o hospital. Enquanto isso, Teodoro e Alberto permanecem na sala: “Devo-lhe mais uma vida senhor (...)”, afirma Alberto. Desesperado, Teodoro declara todo o seu ódio pelo assassino confesso do filho.

            No hospital, trava-se uma discussão sobre a existência de Deus. Primeiro, entre Luiz e Teodoro; depois, o próprio médico enuncia que Rosinha somente salvar-se-á se houver um milagre. Teodoro reafirma que não crê em milagres, o médico responde-lhe: “Então, meu amigo, o senhor é mais infeliz do que nós. O padre Luiz crê num Ente Superior que governa as criaturas... eu, além disso, acredito na minha ciência”. Teodoro, magoado, faz um balanço de suas perdas: Roberto, Luiz, a neta, a esperança de vingança e pede que lhe deixem com o seu ódio.

            Passadas duas horas, Maria Alice retorna, chorando, sem notícias da filha. Em seguida, o médico aproxima-se e avisa que a extração foi rápida e fácil. Rosinha, se não houver complicações, está salva. Maria Alice acompanha o médico e Luiz convida o pai para rezar. De um lado, Teodoro afirma que não sabe mais orar, de outro, o filho aconselha-o a conversar com Deus. Luiz reza a oração do Pai Nosso e é acompanhado por Teodoro. Ao encerrar-se a oração, Teodoro chora, Maria Alice aproxima-se: “Padre Luiz!... Senhor Teodoro!... A minha filha está salva!” Alberto reaparece e dirige-se a Teodoro, pede-lhe perdão, ajoelhado, mas o velho afirma que ambos são iguais, são miseráveis. Luiz abraça o pai que oferece um quarto, em sua casa, para Alberto, mas ele alega que a sua dor seria maior se, diariamente, visse o sofrimento de suas vítimas. Após a saída de Alberto, Teodoro murmura: “Como tudo é diferente... como é sublime...como é sublime perdoar!”


terça-feira, 30 de abril de 2019

Lançamento oficial

O lançamento oficial do livro "Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe" aconteceu no dia 02 de abril, no espaço Viveiro Cultural, na cidade de Cachoeira do Sul.

O município de Cachoeira do Sul, um dos mais antigos do Estado do Rio Grande do Sul, tem uma longa tradição cultural, sendo berço de importantes escritores, políticos que atuaram no cenário estadual e nacional, valorizando, sobremaneira, toda sorte de manifestações artísticas, assim como a pesquisa e o conhecimento que daí advém.

O evento foi aberto ao público e contou com a participação de pessoas vinculadas à preservação da memória, da História e da cultura em solo cachoeirense, em especial, professoras que atuam/atuaram no Acervo Histórico, no Museu, na Biblioteca Pública, no Atelier Cultural e que, de um modo geral, vinculam-se às atividades, por exemplo, da Feira do Livro municipal ou das feiras do livro nas escolas.


Além disso, muitos professores das escolas estaduais e municipais estiveram presentes, incluindo ex-alunos e seus familiares, os quais tiveram importante papel na minha atuação docente, mas também no fomento da própria tese, nas discussões teóricas que levaram à conformação do estudo.

Ao final, os presentes, após a sessão de autógrafos, os convidados foram recepcionados com um coquetel.



terça-feira, 12 de março de 2019

Maconha, o veneno verde



            Dividida em cinco atos, Maconha, o veneno verde conta a história de Osvaldo, vítima de um golpe que o condenou ao vício. O texto é atribuído a Iracy Viana.      Osvaldo é casado com Lucia, eles têm dois filhos – Zezinho e Olguinha. O homem trabalha em uma grande empresa e uma missão, atribuída por seu chefe, desencadeia o seu drama. Rocha, chefe de Osvaldo, pede-lhe que leve, em mãos, uma grande quantia em dinheiro à matriz em São Paulo. Osvaldo agradece o convite e argumenta que sequer conhece a capital paulista, mas o chefe reitera a sua confiança no funcionário, determinando que, a contragosto, Osvaldo aceite a incumbência. O embarque é agendado para o dia seguinte. As luzes apagam-se e, ao microfone, um narrador informa que se passou uma noite. Pela manhã, Rocha acompanha Osvaldo até o aeroporto.

            O segundo ato inicia-se em uma sala de hotel em São Paulo, Iracema prepara-se para um golpe que terá como vítima “um tipo bonachão do interior”. Osvaldo hospeda-se no hotel. Iracema cumprimenta-o, oferece-lhe cigarro, cerca-o. O homem, ingenuamente, conta-lhe a sua missão e ela aconselha-o a deixar o dinheiro guardado com a dona do hotel, que possui um cofre para tais necessidades, conferindo-lhe recibo como comprovante do depósito. O montante é entregue para a hoteleira e Osvaldo tem um recibo em mãos. Iracema convida-o para irem a uma boate, oferece-lhe um cigarro, Osvaldo fuma-o por educação, mas reclama do gosto, que se assemelha a fel. Passam-se duas horas, conforme anuncia o narrador. Osvaldo aparece confuso, Iracema leva-o para o quarto, embebeda-o. Aproxima-se o momento do golpe. Ela retira uma pequena quantia em dinheiro da carteira de Osvaldo, entrega-lhe um novo cigarro e espera que ele durma. Depois, retorna ao quarto com a pasta de dinheiro e afirma: “Adeus, otário...” O locutor anuncia: “No dia seguinte, pela manhã”. Bêbado e dominado pela droga, Osvaldo acorda, tenta recuperar-se, não encontra o recibo. Desesperado, indaga a hoteleira e ela avisa que a sua “esposa” teria retirado a pasta. Diante do quadro que vê, a mulher deduz que ele fora vítima de uma quadrilha que opera com entorpecentes. A mulher ainda entrega-lhe um jornal em que se pode ler: “Maconha... o veneno verde, a erva do diabo!...”

            O terceiro ato inicia-se em um botequim sórdido. Em cena, estão Maria, Boca Dura e Pente Fino. Os dois homens bebem e conversam, enquanto aguardam “a erva”, que lhes será trazida pelo “velho”. Em seguida, aparece Barbadinho (Osvaldo) que entrega dois cigarros para Boca Dura. Barbadinho toma um copo de cachaça e mostra a foto dos filhos para Maria, que o aconselha a voltar para a família, mas ele teme a vergonha. Neste meio tempo, Pente Fino decide que vai aos jornais contar que um velho maconheiro é o pai do Promotor Público da cidade. Osvaldo implora-lhe o silêncio, mas Pente Fino insiste e é morto por Osvaldo. Boca Dura lamenta: “E tudo por causa desta erva do diabo, desde maldito veneno verde!”

            O quarto ato inicia-se na mesma sala do primeiro, mas há novos móveis. No dia do noivado de Olga e Paulo, José – o Zezinho -, o sisudo Promotor Público da cidade - recebe os autos de um processo e conta que acusará um desconhecido que matou um homem por difamar o nome do Promotor. Zezinho argumenta que tentará condenar o indivíduo viciado, na esperança que, na cadeia, ele abandone o vício. Há um mistério sobre o nome do homem que todos conhecem como Barbadinho.

            No quinto ato, a cena desenvolve-se no tribunal do júri. O Promotor Público declara que, apesar dos fatos, julga-se na obrigação de pedir a condenação do réu, “um infame maconheiro, que talvez já tenha destruído centenas de famílias com essa maldita erva do Diabo”. Relembra, em continuidade, que um infeliz perdeu a vida e que, portanto, a justiça deve ser feita e arremata: “Mesmo que ele fosse meu próprio pai, eu vos suplicaria justiça”. Após a manifestação da defesa, o juiz indica aos jurados a pergunta que deve ser respondida: “O réu é ou não culpado?” e suspende a audiência. Barbadinho é declarado inocente e deve ser posto em liberdade. Zezinho aproxima-se e ordena-lhe que abandone a cidade: “ (...) não quero mais vê-lo aqui. O senhor me causa nojo!”

            Quando todos saem, Rocha aproxima-se e chama Barbadinho: “_ Osvaldo”, Rocha abraça-o e diz nunca ter duvidado da honestidade de Osvaldo, ainda que isso tenha custado o seu próprio emprego. Osvaldo sente-se mal e é socorrido. Rocha afasta-se, Zezinho aproxima-se. Osvaldo pede-lhe desculpas por ainda estar na cidade, mas é interrompido pelo rapaz explicando que, em sua profissão, precisa ser duro, insensível, mesmo contra vontade. Afirma que Barbadinho deveria fazer um tratamento e complementa: “ (...) mas agora que está livre, poderá voltar talvez para os braços de seus familiares... deve ter uma família, não? Filhos...” Osvaldo garante-lhe que gostaria de voltar para a sua família, mas não pode. Zezinho descobre que está diante do pai, pede-lhe perdão. Lucia, Olga, Paulo chegam. Osvaldo agradece a Deus que lhe proporciona felicidade na hora de sua morte.



A peça Maconha, o veneno verde é um dos textos melodramáticos analisados no estudo que resultou no livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe.

domingo, 3 de março de 2019

O carrasco da escravidão



            A peça O carrasco da escravidão, composta em três atos, sem autoria conhecida, recebe também o título de A verdade de um escravo, tendo, como personagens principais, o Comendador Gouveia, declaradamente o vilão; Anastácio, Guiomar e Pai João, o escravo. A chegada do Comendador e da filha, Guiomar, desestabiliza a precária ordem em que vivia a casa de Anastácio, cuja mãe encontrava-se à beira da morte. O carrasco da escravidão traz, de um lado, a confiança inabalável do jovem fidalgo, Anastácio, em relação aos seus escravos, especialmente, Pai João, encarregado de cuidar do seu boi de estimação, o boi Pintadinho. Anastácio trata-os com respeito e dignidade. De outro lado, o Comendador Gouveia, que provocara a ruína do pai do fidalgo, despreza todo e qualquer escravo, considerando-os não confiáveis, passíveis de humilhações recorrentes. Os dois homens encontram-se na casa de Anastácio porque a sua mãe, madrinha de Guiomar, a filha do Comendador, está doente. A velha senhora deseja ver a sua afilhada, obrigando Anastácio a receber Gouveia em sua residência.

            Anastácio argumenta que “existem pessoas que não mentem, nem que seja preciso para salvar a própria vida”, sendo ironizado pelo Comendador. Anastácio conta que, na fazenda, há um preto velho que nunca mentiu, trata-se de Pai João que, naquele momento, entra na sala, sendo hostilizado pelo Comendador. Anastácio e Pai João traçam uma rápida conversa, o negro é dispensado e o Comendador passa a urdir uma trama para apossar-se das terras de Anastácio, provando-lhe que os negros mentem. Gouveia propõe uma aposta, mas Anastácio exige a presença de um tabelião que lavre os seus termos, afinal, o Comendador admitira que, por vezes, costumava mentir. Diante do tabelião, Gouveia dita a escritura, datada de 30 de janeiro de 1839. Todos assinam o documento, ajustando-se que a aposta terá a duração de um ano e que Pai João ficará afastado de Anastácio, residindo, a partir de então, na fazenda velha. Gouveia comunica a filha sobre a aposta e informa-lhe que ela será parte de uma cilada que fará Pai João mentir: a moça deve propor casamento ao escravo com a condição que, como prova de amor, o negro mate o boi Pintadinho.

            No segundo ato, Guiomar cumpre as determinações paternas e, após algumas tentativas, consegue que Pai João sacrifique o boi. Enquanto o homem afasta-se para cumprir o pedido, ela roga perdão a Deus pelo pai sempre insatisfeito e bruto, além de reclamar a falta da mãe, que faleceu quando ainda era criança. Passada uma hora, Pai João entra com um pedaço da carne do boi e propõe assá-la, mas Guiomar convence-o a deixar para o dia seguinte. Em pouco tempo, o negro percebe que caíra em uma cilada e começa a preparar-se para contar a Anastácio sobre a morte do animal, fazendo conjecturas sobre como dizer-lhe a verdade, mas, ao final, se convence que deverá mentir.

O terceiro ato inicia-se na casa da fazenda e, em seguida, tem-se a chegada de Guiomar que traz a carne e entrega-a ao pai. O Comendador informa que partirá imediatamente, afiançando que a aposta está ganha. Gouveia antegoza a derrota de Anastácio, entrega-lhe a carne, garantindo-lhe que se trata da carne do boi Pintadinho, o que fará o negro mentir. Anastácio é atacado por Gouveia, que usa um punhal, no entanto, o rapaz reage e imobiliza o adversário. Gouveia pede desculpas. Anastácio determina que Tomé traga-lhe Pai João. Tomé regressa rapidamente porque encontrara Pai João na porteira da fazenda, o negro entra, cumprimenta o Comendador e Anastácio, que lhe pergunta sobre a fazenda, a criação e o boi. Pai João constrangido passa a contar a história e as artimanhas que a envolveram:

Óia, sinhô, nego tava na fazenda, e então apareceu a tentação branca, e falo que queria comê (...). Ela disse que casava cum zeu...dava a liberdade pra zeu (...). Nhonhô pode matá nego veio, mas o nego mato o seu boi Pintadinho, nego não sabe menti sinhô, nego nunca mentiu...

            O Comendador enfurece, Anastácio louva o homem que se pusera de joelhos a sua frente, enaltece a sua honradez e dedicação, promete-lhe a carta de alforria, extensiva aos demais escravos, e presenteia-lhe com a fazenda velha: “E quando alguém lhe perguntar como conseguiu a fazenda, diga que ganhou com a verdade de um escravo”. Anastácio informa ao Comendador que ele terá casa e comida, mas Gouveia não aceita o favor, garante que o título de Comendador permitirá o seu sustento e que não tem mais obrigações com a filha.

Guiomar ouve o pai, que ainda imputa-lhe a culpa pela miséria e eis que surge um novo componente na história da moça, até então inesperado. Anastácio conta-lhe que Gouveia não é o seu pai legítimo, o qual fora morto a mando do Comendador para casar-se com a mãe da jovem. Guiomar indaga sobre a mãe e sabe que ela morreu após o novo casamento, sem causa conhecida. A jovem quer saber por que foi mantida na companhia de Gouveia e Anastácio explica que o homem era temido, ainda que todos receassem que ela fosse objeto de prazer do Comendador da mesma forma como ele agia com as escravas mais jovens, violentadas e abandonadas.

            Gouveia prepara-se para apunhalar Anastácio, mas é detido por Pai João que, novamente, salva o jovem. Guiomar, a partir daí, será acolhida na casa de Anastácio, como afilhada da mãe do fazendeiro e o Comendador será preso para cumprir a pena que lhe for imputada como carrasco da escravidão, “esquecendo-se do dever da humanidade e das palavras do pai eterno que manda: Amai-vos uns aos outros”.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Os textos dramáticos

Em sua maioria, os textos considerados dramáticos são adaptações de textos canônicos ou filmes de sucesso. Entre as peças, cuja base era romances consagrados, encontra-se A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, podendo-se incluir, nesta mesma linhagem, por exemplo, O morro dos ventos uivantes, de 1847, cujo texto original, em inglês, foi escrito por Emily Bronte. Ainda é possível encontrar uma adaptação da novela americana A cabana do pai Tomás, de 1852, cuja narrativa, como tantas, encontra-se impregnada de fé e religiosidade. Há também adaptações de filmes como Love Story ou Marcelino, pão e vinho, cuja nota, nos dois casos, é o sofrimento dos protagonistas, que se repetia em peças do teatro nacional e internacional que eram levadas ao palco.

No caso de Marcelino, pão e vinho tem-se, na verdade, uma adaptação da versão cinematográfica que já fora baseada na obra literária homônima, o que, sem dúvida, faz o pesquisador avaliar que existe a probabilidade de um afastamento significativo do texto original. Sabe-se, que, em sua versão original, o romance tratava da história de um menino, Marcelino, abandonado em frente a um mosteiro e criado por frades franciscanos. Ao final, Marcelino protagoniza um milagre, de forma que fica evidente a conotação religiosa da obra: Marcelino encontra um amigo no sótão, ele está pendurado em uma cruz e oferece ao menino a possibilidade de reencontrar a sua mãe, cuja ausência era motivo de sofrimento por parte da criança.

Na mesma linha religiosa, tem-se A canção de Bernadete. Trata-se de um filme norte-americano, exibido na década de 1940 e que conta a história de Bernadete Soubirous, uma menina doente, que, no interior da França, por volta de 1860, teria tido uma visão da Virgem Maria, causando a incredulidade dos familiares e das autoridades locais. Bernadete, depois da visão, não voltaria a padecer a sua enfermidade; some-se a isso o aparecimento de uma fonte no local em que ela teria tido a visão e, nesta fonte, todos que se banhavam eram curados. A humildade da menina é um dos destaques do enredo, tendo em vista que, apesar da suposta benção recebida, ela não altera o seu estilo de vida, embora passe a modificar os destinos daqueles que dela se aproximam.

Seguindo a linha delineada por Marcelino, pão e vinho e pela adaptação de A canção de Bernadete cujo enfoque recaía sobre a religiosidade, tem-se O céu uniu dois corações, um melodrama brasileiro escrito por Antenor Pimenta, cujo desfecho, conforme anuncia o título, ocorre após a morte dos protagonistas. De acordo com Pimenta (2009):

...E o céu uniu dois corações, primeiro e mais significativo texto de Antenor Pimenta (1914-1994), foi o texto mais encenado pelas companhias de circo-teatro, com milhares de representações. É encenado até hoje em todo o país, principalmente por grupos de teatro amador e de estudantes que se interessam por teatro popular, além das pequenas companhias circenses que ainda mantêm a atividade teatral (...).
O texto foi escrito em cinco atos, encadeados por ganchos folhetinescos e é um melodrama que emprega todos os recursos do gênero: o forte contraste entre a torpeza do vilão e as virtudes da ingênua, uma pobre órfã criada pela avó cega, enquanto seu pai, preso injustamente, aguarda a restauração da justiça pelas mãos do herói, um jovem apaixonado pela ingênua que se ilude com a dedicação do vilão, seu tutor e verdadeiro assassino de seu pai, que tentará impedir de todas as formas a união dos jovens, que só será possível no encontro apoteótico de suas almas no céu. (PIMENTA, 2009, p. 48)

A pesquisadora observa ainda que o autor nunca cedeu os originais para encenação em outras companhias, mas reconhece que ele se difundiu entre os itinerantes, sobretudo, a partir de artistas que atuavam com Antenor Pimenta e que lhe subtraiam o texto, vendendo-o por uma porcentagem nas bilheterias. A autora alude ainda a possibilidade de que ensaiadores e atores de outros teatros assistissem à peça, repetidas vezes, e copiassem trechos, adaptando-os à realidade de cada companhia.

Desta constatação feita pela estudiosa é possível inferir que outras peças tenham a mesma origem, especialmente, aquelas que foram adaptadas a partir de filmes do cinema nacional e internacional.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Um novo espaço: o circo-teatro


Depois da consagração do circo em território nacional, o próximo passo parecia “natural”: a introdução da dramaturgia e ela aconteceu, primeiro, com a inserção da pantomima, depois, das farsas cômicas. Surgia, assim, um espetáculo marcado pela capacidade de improvisação, pela diversidade temática que era buscada no prosaico, nos temas cotidianos, visto sob a verve irônica ou, por outro lado, com caráter crítico.

Fixava-se um palco para encenação na tradicional estrutura circense. Emergiam as figuras dos autores e adaptadores de textos, sendo que a figura do ensaiador adquiria relevância no meio circense, ainda que, em geral, as duas funções (escritor e ensaiador) fossem – e sejam – acumuladas pelo indivíduo com maior escolaridade dentro do grupo.

Um dos principais temas entre os primeiros circos-teatros foi a paixão e a morte de Jesus Cristo, com total influência da igreja cristã – e que traz, em si, a dualidade característica do texto melodramático.

Em uma pesquisa que aborda a história do teatro Nh’ana, cuja proprietária, Isolina, era irmã de Nhô Bastião, o patriarca da família Serelepe, Andrade Jr. (2000) enfatiza a astúcia da proprietária do estabelecimento que, ao chegar às novas praças, se encarregava de preparar a encenação de uma peça que pudesse exercer a função de “chamariz” entre padres e irmãs de caridade, garantindo a sua presença no pequeno circo, chancelando as suas apresentações e liberando, desse modo, os devotos a frequentarem tal espaço.

Porém, a temática religiosa não era suscetível ao aproveitamento corporal, tradição no meio circense e, em virtude disso, o circo-teatro passou a investir também na adaptação de romances e folhetins, mais ao gosto do público:

Suspiros românticos aliavam-se aos preceitos morais e o melodrama invadiu a cena circense, em companhias de todos os portes (...), as pequenas companhias, que não tinham condições estruturais e financeiras e mantinham um elenco reduzido, tinham finalmente condições de expandir seu espetáculo para a adoção de uma segunda parte puramente teatral, com montagens sustentadas pelo poder de emoção da palavra, com o referencial melodramático não espetacular, mas temático. (PIMENTA, 2009, p. 42)

Estabelecia-se, por conseguinte, um novo filão às companhias, assim como o público interiorano passava a ter maior contato com uma cultura supostamente erudita – neste sentido, parece dispensável avaliar-se a erudição destes textos, mas, sim, a novidade que eles representavam para as cidades menores, sem acesso a muitas formas de divertimento, sem lastro cultural, ao mesmo tempo, sem condições que lhes possibilitassem apreciar encenações de grande vulto levadas ao público das capitais, por exemplo, com mais experiência na apreciação do gênero dramático e com um gosto teoricamente mais apurado.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O circo: um divertimento popular


Grupos circenses entraram no Brasil, mesmo antes do século XVIII e o surgimento do circo de cavalinhos na Inglaterra. Eram companhias formadas por ciganos expulsos de Portugal e Espanha, que apresentavam doma de animais, números de ilusionismo.

A partir do século XIX, porém, ingressam as tradicionais famílias circenses, em geral, grupos que excursionavam pela América Latina e acabavam fixando-se num país em particular. Um dos exemplos clássicos, apresentados pela literatura, é a família Chiarini, que chegou em 1834, conforme Erminia Silva.

Os circos, movendo-se por diferentes regiões do país ou mesmo pelos países vizinhos e tendo a sua origem em solo europeu, representavam uma forma de divulgação da cultura, visto que danças e músicas podiam ser apresentadas, independente do local e evocavam estilos transnacionais como o flamenco, do mesmo modo que a língua francesa, inglesa, italiana ou espanhola achava, nestes ambulantes, um meio para propagar-se por territórios distintos. Parece claro que as “novidades” trazidas pelos artistas acabassem se espalhando em festas e outras atividades de divertimento de cada local. Além disso, provavelmente, ensejava experiências entre brasileiros que se julgavam hábeis para as atividades circenses, mas que não admitiam, até então, afastar-se em definitivo de suas famílias, cuja origem era sedentária, sobremodo, agrária.


E, assim, o circo adentrou o universo artístico brasileiro, de tal modo que: “Os circos de cavalinhos estariam presentes, a partir da segunda metade do século XIX, na maior parte das cidades brasileiras, tornando-se, em alguns casos, a única diversão da população local” (SILVA, 2003, p. 48).

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O meio rural como referência

Geraldo, palhaço Biriba

Em 1929, surgiu a dupla caipira Nhô Bastião e Nh’ana, que se apresentava no interior paulista entre lavouras de café, levando o riso aos trabalhadores e, via de regra, encerrava os seus espetáculos com bailes no mais puro estilo local – as caipiradas. Mesmo mais tarde, quando o grupo comprou o Circo Oriente e, depois, a Politeama Oriente, o seu público continuou entre as populações das pequenas cidades, muitas vezes, às margens de grandes fazendas, propiciando o espetáculo para o espectador das pequenas cidades e para aqueles egressos do trabalho no campo.

Desse modo, a história do Teatro Serelepe vincula-se, deliberadamente, ao meio rural, a tal ponto que Nhô Bastião – José Epaminondas de Almeida – chegou, ele mesmo, a manter uma chácara em Ponta Grossa, interior do Paraná, e foi para este tipo de público que as produções, preferencialmente, foram estabelecidas: a singeleza do homem humilde, trabalhador, que extrai o alimento da terra. O local é tido como ponto de partida para inúmeros teatros, entre eles, além do Teatro Serelepe, o Teatro Biriba, que, atualmente, apresenta-se em Santa Catarina.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Vai, vai, vai começar a brincadeira - o aparecimento do circo



Egresso das fileiras reais, o cavaleiro Philip Astley criou uma modalidade de apresentação artística que ficou conhecida como circo de cavalinhos. Era um espetáculo aristocrático, feito por homens que haviam servido à cavalaria de Vossa Alteza Real, a Rainha (ou Rei) da Inglaterra para homens e mulheres de fino trato que ocupavam a plateia.

Circo Oriente, que pertenceu a Nhô Bastião, pai do palhaço
Serelepe (seu Zezo)
“Para grande parte da bibliografia que trata da história do circo, Astley é considerado o inventor da pista circular e criador de um novo espetáculo” (SILVA, 2003, p.18). O mesmo posicionamento é defendido por Seibel (2005), que apõe: “nace en Londres, en 1770 el primer circo moderno (...). En 1779, Astley construye un local permanente de madera con techo, el Real Anfiteatro Astley de Artes.” (SEIBEL, 2005, p. 12)

Torres (1998) salienta o tom militar imposto por Astley às apresentações: os uniformes, o som dos tambores, as vozes de comando. Do ponto de vista artístico, Astley também aparece como precursor da nova modalidade de divertimento, visto que ele, ao lado dos jogos e das corridas a cavalo – inicialmente, senhores absolutos do espetáculo -, introduziu saltadores, acrobatas, malabaristas, adestradores de animais, enfim, artistas que, por muitos anos, haviam se apresentado em praças e feiras, ao ar livre ou valendo-se de barracas rudimentares. Sua inserção atendia ao objetivo de Astley “de imprimir ritmo às apresentações e dar um entretenimento diferente ao público. Os clowns fingiam-se de aldeões ou camponeses rústicos, imitando hábeis cavaleiros, mas de forma grotesca”. (SILVA, 1996, p. 25)

A palavra circo propriamente dita apareceria mais tarde, na montagem da companhia de Нughes, antigo cavaleiro da trupe de Astley, que, em 1780, apresentaria o Royal Circus.